É de fundamental importância entender a relação entre uma boa gestão do orçamento público e a responsabilidade fiscal dos agentes econômicos envolvidos na administração pública, de modo a manter as expectativas positivas sobre viabilidade de manutenção dos pagamentos públicos ao longo do tempo. Assim, são geradas leis e regulamentações para auxiliar e/ou punir agentes públicos que não atuam conforme as boas práticas públicas.
Ao final desta aula, você será capaz de:
Com o avanço do papel do governo na economia moderna, as finanças públicas passaram a ter maior importância para o gerenciamento dos recursos do setor público. Nesse contexto, a boa gestão está relacionada à responsabilidade fiscal dos agentes públicos, já que somente avançar nos gastos públicos não é uma solução ideal para o desenvolvimento econômico e social de um país. Em um primeiro momento, o avanço dos gastos (sem controle) pode parecer uma solução simples e eficaz, contudo, o aumento indiscriminado dos gastos tem a capacidade de prejudicar fortemente a economia e, por consequência, a sociedade inteira.
A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 é a popularmente conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que: “Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências”. Além disso, no capítulo I, sobre as disposições preliminares, no art. 1º, diz que esse estabelecimento está amparado no Capítulo II do Título VI da Constituição (BRASIL, 2000).
Desse modo, a LRF é utilizada como um código de conduta no setor público sobre seus administradores, abrangendo todos os entes da federação, isto é, nos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e nas três esferas de governo (União, Estados e Municípios). Seguindo modelos internacionais, o objetivo da LRF foi criar mecanismos para controle de gastos e sanções para os gestores que não cumpram com esses mecanismos (MATIAS-PEREIRA, 2017).
Contudo, antes de avançar no conhecimento sobre a LRF, vamos aprimorar a ideia de gestão pública através do controle do orçamento público e o impacto do descontrole da gestão pública, através do descontrole sobre as despesas públicas, o que, por sua vez, ocasiona a irresponsabilidade fiscal do governo.
Para melhor compreensão sobre o processo de responsabilidade fiscal que está relacionado à gestão fiscal, mais informações podem ser obtidas através do site do Tribunal de Contas da União (TCU): <https://portal.tcu.gov.br/comunidades/macroavaliacao-governamental/areas-de-atuacao/gestao-fiscal/>. Acesso em: 18 jun. 2019.
Sob esse ângulo, o controle sobre os gastos públicos, como já apontado em outros momentos, é essencial para compreender a capacidade do governo de seguir uma linha fiscal responsável ou não ao longo do tempo. Nas finanças públicas, o controle sobre os recursos públicos evita que ocorram diversos problemas, como: I) corrupção; II) desvios de finalidade; III) favorecimento a amigos; IV) perseguição a “inimigos” (LIMA, 2015).
Em relação ao controle sobre os gastos públicos existentes no país, a Constituição Federal previu uma série de mecanismos com o objetivo de estabelecer competências para instituições estatais serem responsáveis por controlar a atividade pública. Outra forma de controle foi o dirigido para a sociedade, ou seja, obrigando que a administração pública dê publicidade e justifique seus atos que podem ser analisados por todos os agentes econômicos do país, possibilitando que os cidadãos possam promover denúncias aos órgãos competentes (LIMA, 2015).
“Aqui, cabe uma reflexão importante já presente desde Aristóteles. Quem fiscaliza o fiscal? Quem controla os órgãos de controle? Por certo, tais órgãos também não são formados por anjos, devendo igualmente ser controlados para que não exerçam suas funções em benefício próprio. Por certo, os integrantes dessas instituições, como os das demais, também têm uma agenda própria, nem sempre coincidente com o interesse coletivo. Por isso é que a ordem jurídica prevê um sistema de pesos e contrapesos e de fiscalizações redundantes. Em vez de desperdício, a possibilidade de mais de uma instituição fiscalizar determinada política pública, determinada obra ou qualquer forma de dispêndio é um meio de dificultar a corrupção dos órgãos de controle. Assim, se uma entidade comete desvios na execução de determinado programa, ela poderá ser investigada pela Política, pelo Ministério Público, pelo Tribunal de Contas, pela Controladoria, pelo próprio parlamento, além de que está sujeita ao controle social, aos veículos de comunicação, que costumam ter seus próprios meios de investigação”.
Fonte: Lima (2015, p. 261).
O Brasil possui muitos órgãos de controles sobre as finanças públicas, tais como: I) Poder Legislativo; II) Tribunais de Contas; III) Controladorias;
IV) polícia; V) Ministérios público; VI) Poder Judiciário. Assim, a fiscalização pode possuir diferentes naturezas, através da Constituição Federal (CF) de 1988, que obrigam os órgãos de controle a examinar os demonstrativos contábeis do setor público (LIMA, 2015). O artigo 70 da CF de 1988 diz que:
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou entidade pública que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária (BRASIL, 1988, p. 229).
Nessa perspectiva, podemos analisar os tipos de fiscalização, como é o caso da contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial. Observe o Quadro 1.
Quadro 1 – Tipos de fiscalização
Fonte: Lima (2015, p. 265-269).
Como exposto no Quadro 1, existem diversas formas de fiscalização sobre as finanças públicas no setor público brasileiro, sendo o ideal que as instituições consigam funcionar de maneira eficiente para impulsionar o controle sobre as despesas públicas. No entanto, existem diferentes formas de o setor público avançar com suas despesas, impactando na relação entre receitas e despesas e, por vezes, levando ao descontrole das contas públicas, também chamado de irresponsabilidade fiscal.
Os países na economia moderna possuem três formas de financiar a expansão de suas políticas públicas; são elas: I) tributação; II) dívida; III) emissão de moeda. Também é possível utilizar combinações dessas possibilidades ao mesmo tempo.
Fonte: Salto e Almeida (2016).
A responsabilidade fiscal está relacionada ao controle sobre o orçamento de forma eficiente, não fazendo gastos indiscriminados de forma a prejudicar a relação entre receitas e despesas na economia. O impacto do desequilíbrio da irresponsabilidade fiscal é o aumento (descontrolado) da dívida pública, impactando sobre o bem-estar da sociedade do país local, principalmente quando a trajetória da dívida pública torna-se explosiva.
A dívida pública não pode ser vista apenas como um fator negativo em todos os momentos possíveis, visto que permite ao governo financiar sua elevação temporária de despesa. Desde que usada com cuidado, a elevação da dívida permite a estabilização da economia, principalmente se o financiamento é através de taxas de juros baixas; o efeito colateral do aumento da dívida pública é o montante de juros que deve ser pago aos detentores da dívida pública no período seguinte (SALTO; ALMEIDA, 2016).
O equilíbrio orçamentário é desejável em certos casos. Pode ser impossível e inelutável em outros. E será nocivo em circunstâncias especiais [...] nos períodos de pleno emprego, quando o equilíbrio é defensável e aconselham os economistas que o Estado restrinja seu consumo e seus investimentos, ainda razoavelmente se poderá conceder que, do ponto de vista conjuntural, o déficit será justificável se promana de despesas para remoção dos pontos de estrangulamento oriundos da precariedade da rede de serviços públicos
(BALEEIRO, 2015, p. 541-542).
“No início de 2016, a Selic estava em 14,25% ao ano. Isto é, a alguém que comprasse R$ 1 mil em LFTs teria, depois de um ano, R$ 142,50 a receber em juros pagos pelo governo sobre esses papéis; o rendimento real seria algo como R$ 68, para uma inflação de 7% ao ano. Uma taxa de juros real de quase 7% ao ano é muito elevada. Por isso, diz-se que, quanto menores forem os juros exigidos pelo mercado para financiar a dívida do governo, a dívida é de melhor qualidade. É simples: quanto menos o mercado exigir para financiar os déficits públicos, mais espaço haverá para novas despesas (não estamos aqui discutindo a qualidade desses gastos, obviamente)”.
Fonte: Salto e Almeida (2016, p. 19).
Nesse contexto, é possível analisar o impacto da irresponsabilidade fiscal através da dinâmica da dívida, através da equação (1) a seguir, apresentada por Salto e Almeida (2016):
v = -p + (j-a) * d (1)
Sendo que:
(v) = variação da dívida;
(a) = crescimento do PIB real;
(j) = taxa real de juros
(d) = tamanho da dívida em pontos de percentagem do PIB
(p) = esforço primário produzido pelo setor público.
Na equação (1), a variação positiva (aumento da dívida pública) ocorre quando o esforço primário (p) for menor do que o peso dos juros sobre a dívida já existente (j). Note que, o crescimento do pib real (a) ajuda a diminuir o peso dos juros da dívida acumulada, isto é, se o país cresce de forma mais forte, o impacto dos juros diminui e o esforço primário é reduzido. Por exemplo, se o país cresce a 2%, com juros reais em 4,5% e dívida pública em 55%, sendo que o país não quer o aumento da dívida (v = 0), portanto, o esforço primário deve ser de 1,4% do PIB (SALTO; ALMEIDA, 2016).
v = -p + (j-a) * d (1)
0 = -p + (0,045 - 0,02) * 0,55
p = 0,014 ou 1,4%
Outra forma de o governo utilizar de expansão dos gastos, podendo ser de maneira irresponsável, é através do aumento dos tributos (impostos) na economia. O aumento dos tributos tem a capacidade de melhorar as finanças públicas do país, devido ao aumento da receita, mas, também, pode fazer com que o governo potencialize ainda mais seus gastos, mantendo as finanças públicas em estado ruim. Outro problema está relacionado ao limite da arrecadação de tributos em decorrência do aumento da alíquota, modelo conhecido como curva de Laffer (SALTO; ALMEIDA, 2016).
Conforme exposto na Figura 1, a curva de Laffer tem a forma de uma parábola, isto é, aumento dos tributos (alíquota média) acarreta em maior arrecadação para o governo até determinado ponto (A). Após esse momento, contínuos aumentos dos tributos acabam por diminuir a arrecadação total do governo. Isso porque o contínuo aumento da alíquota média diminui os incentivos de produção da sociedade, acarretando no peso morto dos impostos (SALTO; ALMEIDA, 2016).
Por fim, outra forma de o governo avançar com os gastos públicos, em detrimento da manutenção saudável das finanças públicas, é através da impressão indiscriminada de moeda para financiar os déficits crescentes do governo. Salto e Almeida (2016, p. 21) argumentam que: “Esta é a mais danosa, ainda que inicialmente seus custos pareçam baixos; emitir moeda para pagar o déficit do governo gera o maior dos malefícios para uma sociedade: inflação”.
Lembre-se dos conceitos aprendidos em matérias relacionadas, como é o caso de macroeconomia e microeconomia. O aumento da oferta de moeda, segundo a lei de Say, tem impactos somente sobre a inflação.
Nesse contexto, o aumento indiscriminado da oferta de moeda faz com que o Banco Central não tenha mais autonomia para o combate da inflação, já que o foco é conter o déficit público via impressão de moeda. Desse modo, o Banco Central não consegue mais controlar os juros básicos (Selic) via controle da oferta de moeda, negociando títulos públicos (Tesouro Nacional) no mercado, que estão reservados em uma carteira sob responsabilidade da autoridade monetária (SALTO; ALMEIDA, 2016).
Ao longo das últimas seções, trabalhamos a importância da responsabilidade fiscal e o controle sobre as contas públicas para que sejam organizadas de maneira adequada e responsável as finanças públicas do país. Quando isso não ocorre em decorrência da irresponsabilidade fiscal, o país pode sofrer com um déficit público crescente e descontrole das contas públicas que, no curto prazo, pode ser mantido via aumento de tributos ou dívida ou emissão de moeda, podendo ser utilizado mais de um modelo ao mesmo tempo (SALTO; ALMEIDA, 2016).
Lembre-se de que o processo de formação e negociação do orçamento público apresenta diversas etapas de negociações entre o executivo e o legislativo, assim como dos diversos órgãos e ministérios que disputam partes do orçamento disponível. Nesse contexto, Salto e Almeida (2016) argumentam que o orçamento público é um dos causadores do atraso brasileiro, visto que o executivo e o legislativo atuam em negociações por barganha para liberação de emendas orçamentárias.
Vale ressaltar que a Lei 4.320/64 foi uma das primeiras leis a atuarem sobre as finanças públicas, por apresentar normas gerais do direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Mais informações podem ser obtidas no site do Planalto: <http: www.planalto.gov.br="" ccivil_03="" leis="" l4320.htm="">. Acesso em: 18 jun. 2019. </http:>
Fonte: Brasil (1964).
Apesar de ainda hoje existirem problemas sobre as finanças públicas do país, melhorias foram feitas ao longo do tempo, como é o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Essa lei, segundo Nóbrega (2016), juntamente com as privatizações dos bancos públicos e a renegociação das dívidas dos Estados e Municípios, foi responsável por avanços no setor público.
O terceiro avanço foi a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que regulamentou dispositivo da Constituição de 1988, o que lhe deu caráter nacional. Suas normas se aplicam à União, aos estados e aos municípios. A LRF foi aprovada em 2000 sob intensa oposição de governadores e prefeitos. Seus grandes aliados foram a opinião pública e a imprensa. Essa lei pode ser considerada um dos mais importantes marcos na construção de restrições orçamentárias fortes no Brasil
(NÓBREGA, 2016, p. 40-41).
Nóbrega (2016) apresenta alguns argumentos importantes sobre a LRF, tais como: I) princípios rígidos para a participação da despesa de pessoal nas receitas do setor público; II) limites de endividamento para as três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal); III) restrições a gastos no período eleitoral; IV) introdução da noção de riscos sobre o setor público; dentre diversas outras restrições. Para compreender o porquê da existência da LRF, observe o Quadro 2 a seguir.
Quadro 2 – Relação entre a Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal
Fonte: Matias-Pereira (2017, p. 359).
No quadro 2, é apresentada a relação entre a Constituição Federal (CF) de 1988 e a LRF, na medida em que a CF apresenta em seu artigo e diferentes incisos a obrigação e importância de existir uma lei como a LRF. Consequentemente, a ideia da LRF avançar na eficácia sobre os pontos relativos a receita e despesa (equilíbrio), transparência da gestão fiscal e responsabilidade dos dirigentes, através dos princípios de austeridade, economicidade e seriedade (MATIAS-PEREIRA, 2017).
Matias-Pereira (2017) aponta dois artigos da CF (163 e 169) que apresentam a razão de existência de uma lei complementar aos moldes da LRF. Assim, no Quadro 3, a seguir, são apresentados os artigos 163 e 169 da CF de 1988 sobre a eficiência na gestão pública do Brasil ao longo do tempo.
Quadro 3 – Constituição Federal e a boa prática da gestão pública
Fonte: Brasil (1988, p. 103-108).
O art. 169 da CF de 1988 é demasiado grande para colocar os parágrafos e incisos nele contidos. O(a) aluno(a) interessado(a) pode observar esses artigos e muitos outros da CF através do site do Senado Federal em <https://bit.ly/2ETNGh8>. Acesso em: 18 jun. 2019.
Na economia, existem limites ou restrições para a atuação do governo, na medida em que os recursos existentes na economia são escassos. Desse modo, a curva de Laffer representa que limite?
O aumento da produção econômica decorrente do crescimento de empresa pública.
A curva de Laffer não tem relação com a oferta de moeda, e, sim, com tributos.
O aumento da oferta da moeda com o objetivo de aumentar os recursos econômicos.
A curva de Laffer não relaciona aumento de produção via investimento de empresa pública.
O aumento das receitas provenientes do aumento da alíquota de tributos cobrados.
A curva de Laffer apresenta a modificação da receita tributária decorrente do aumento da alíquota dos tributos cobrados, mas, como tem forma côncava, após certo ponto, as receitas tendem a cair com o aumento dos tributos.
A relação do crescimento do déficit público devido ao crescimento das receitas.
A curva de Laffer não faz relação entre déficit público e receita, além disso, se a receita pública cresce, o déficit público tende a diminuir.
A autoridade monetária com sua limitação para diminuir sua expansão de moeda.
Não tem relação com a curva de Laffer e a autoridade monetária pode expandir a oferta da moeda como quiser, apesar de possíveis custos, como é a inflação.
Se, por um lado, a atuação do governo pode auxiliar na estabilidade ao longo do tempo, os gastos indiscriminados e sem limites também podem prejudicar a economia. Desse modo, qual ato está relacionado a irresponsabilidade fiscal?
O aumento contínuo do déficit público.
O aumento contínuo do déficit público representa que as despesas têm aumentado mais rapidamente do que as receitas públicas, o que leva a uma deterioração fiscal nos períodos seguintes.
A diminuição das negociações privadas.
Irresponsabilidade fiscal do governo não tem relação direta com negociações privadas e crescimento do déficit público.
A queda nas despesas do governo.
As quedas nas despesas tendem a aumentar o superávit e o caixa do governo.
O aumento indiscriminado de preços.
O aumento dos preços está relacionado a inflação, não possuindo relação direta com déficit público decorrente da irresponsabilidade fiscal.
A privatização de empresas públicas.
Privatização aumenta receita do governo, melhorando a situação fiscal do país, mesmo que de forma momentânea.
Conforme apontado ao longo de toda a aula, as boas práticas de gestão pública (responsabilidade fiscal) permitem que o governo consiga manter o orçamento equilibrado ao longo do tempo, apesar de serem aceitos pequenos desvios devido à conjuntura econômica. Além disso, desenvolvemos a análise sobre os efeitos negativos da irresponsabilidade fiscal do governo (tributos, déficit, aumento de moeda). Por fim, compreendemos os aspectos básicos sobre a LRF, sendo respaldada pela Constituição Federal de 1988.
Nesta aula, você teve a oportunidade de:
Aula Concluída!
Avançar